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28.3.04

Não há fatos, só interpretações.
(Friedrich Nietzsche)

Fala aí!

Mallarmé, poesia, amor aos livros...  



O livro “Mallarmé” (São Paulo: Perspectiva, 1974) contém poesias do francês Stéphane Mallarmé (1842-1898), com texto em francês, traduções e estudos críticos de Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos.

Muito já se disse sobre a mallarmargem e outros devaneios mallarmeanos. Na verdade vejo com ressalvas tantas salvas de palmas ao poeta francês. Tudo bem que o cara foi bom e acabou influenciando diversas vanguardas poéticas do século 20. Tudo bem que o cara mudou a maneira de se pensar o verso, o reverso, o inverso e quase o universo. Mas acho que nossos poetas concretos fizeram coisa bem melhor.

Aí o leitor mais atento pode argumentar, e com toda a razão, que nossos poetas concretos fizeram coisa melhor porque leram Mallarmé e partiram de suas conquistas. Concordo plenamente e acho tanto que o leitor mais atento tem razão que às vezes fico pensando porque não entrego esta e todas as minhas resenholas em branco para que o leitor possa escrevê-las. Porque eu não entendo nada, só falo asneiras, só pincelo primeiras-impressões. Bem melhor seria se o leitor construísse suas próprias resenhas, uma espécie de jornalirismo self-service, o primeiro do mundo a ser construído totalmente pelo leitor.

“Mallarmé” vale a pena ser lido. Principalmente se você gostar de poesia e estiver pensando em estudar mais a fundo o fazer poético. Os artigos dos irmãos Campos e de Pignatari, estes três mosqueteiros da poesia concreta, são uma grande luz intelectual a fazer cócegas em nossos cérebros, pois provocam o lado esquerdo e o direito, o racional e o sensitivo, e ambos os hemisférios ficam se massageando durante a leitura. Muito bom.

E, graças à vasta erudição desses caras, referências a outras obras aparecem com muita propriedade. Ezra Poud sobretudo. Ezra Pound é um sujeito de leitura indispensável, sobretudo seu livro “O ABC da Literatura”. E nos artigos dos concretos sobre Mallarmé suas idéias aparecem e transparecem. Poesia é música, melopéia, primeiridade. Poesia é poesia. Para ser sentida. Chorada. Rida.

O final do livro traz uma curiosa experiência de Erthos Albino de Souza (Bahia, 1972). Um poema visual chamado de Le Tombeau de Mallarmé é prenúncio dos cibernéticos e hipertextuais poemas existentes hoje em dia. Numa experiência com os tiranossáuricos computadores da época, o poeta cria a figura do túmulo de Mallarmé com as letras de seu próprio nome. Uma homenagem interessante. Um detalhe: a fotografia do túmulo, que acompanha o poema, foi feita por Décio Pignatari.

O apêndice ainda brinda o leitor com um artigo de Walter Benjamin, uma profecia traduzida por Haroldo de Campos e Flávio Kothe, anunciando o fim do livro. É a primeira vez que leio um texto do Walter Benjamin e discordo totalmente dele. O livro evoluiu, mas dificilmente vai acabar. O livro é prático, dá pra se ler no banheiro, não precisa de energia elétrica, dá pra se ler à luz de velas, não gasta pilha, pode ser carregado debaixo do braço, pode ser lido onde e quando quisermos, no tempo em que quisermos, rápido ou devagar. O livro é bonito, enche estantes. O livro é feio, enche sebos e fica barato depois de velho. O livro é acessível, enche bibliotecas públicas. O livro é comestível, que seriam das traças?

Prova irrefutável que dificilmente acontecerá o apocalipse dos livros são as recentes manifestações de amor ao livro, turbinadas pela Internet. Sim, a Internet, que muitos viam como vilã do livro. Em 11 de setembro, sites incentivavam os “atentados poéticos”, ou seja, que se espalhassem livros por pontos da cidade, em uma verdadeira flash-mob literária. A prática continua, informações em www.bookcrossing.com, por exemplo. Disfarçadas de “Clube do Livro”, correntes proporcionam a troca de livros entre bibliófilos e afins.

Sobre o assunto, recomendo a leitura dos ensaios da Revista Bravo! deste mês de outubro. O livro, o amor ao livro, o objeto livro, a tara pelo livro.

Aliás, agora vou parar porque quero ler outro livro.

Edison Veiga Junior brinca de fazer poesia nas horas vagas, lê sempre nas horas desvagas e surfa na Internet no tempo que sobra. Finge que estuda jornalismo na Unesp.
ouvindo nada agora porque o som já foi desligado

Fala aí!

21.3.04


Fala aí!

19.3.04



Indicado pela Laurinha, a Pequena, que anda sumida daqui deste bológue, confira o texto Está certo porque sou doutor, do estudante de jornalismo André Azevedo da Fonseca.

Para todos aqueles que enfrentam diuturnamente as prepotências de alguns embolorados acadêmicos que se recusam a entrar em extinção

Fala aí!
O jornalista é uma pessoa sem nenhuma idéia,
mas com capacidade de expressá-la

(Karl Kraus)

Fala aí!

Decálogo insano acerca do Espaço e do Tempo  



1.

Pisque os olhos e perceba que neste instante mínimo tem alguém morrendo em algum lugar e outros alguéns nascendo num berreiro só. É isso. Enquanto estou aqui escrevendo neste computador frio e desumano, tenho certeza de que milhares de pessoas estão transando, bebendo, fazendo um som, enfim, vivendo. Ok, each one, each one.

Mas todo este preâmbulo sem noção era para falar do espaço e do tempo. Sim, o ESPAÇO e o TEMPO, senhoras e senhores!!! Este dueto incrível, este casamento-gay milenar, esta obsessão de noventa e nove por cento dos físicos e pirados.

Peraí. Antes que você desista de ler isto aqui, vou avisando que não pretendo resenhar o “Cubo” nem sua continuação “Cubo 2 – Hipercubo”. Calma, calma... não chego a tanto! Nem é sobre filmes que vou falar.

- Parece que esse cara está nos enrolando!

- Esse cara? Quem?

- Esse aí, metido a crítico, óculos no nariz, escondido atrás de um computador... Fala, fala e não diz nada...

- Pois é... A Internet só tem porcaria mesmo...


2.

Dormi hora e meia. No meu sonho tinha um revólver verde e quase enferrujado com o qual eu matava todas as pessoas chatas. Matei-me.


3.

Vou falar sobre A Natureza do Espaço e do Tempo, publicado no Brasil pela Papirus em 2001, com tradução de Alberto Luiz da Rocha Barros.

O livro em questão é um debate travado entre Stephen Hawking e Roger Penrose, dois fodões da Física contemporânea. O Hawking certamente você já deve ter visto em algum lugar, pois tem outros livros bem mais pops, como “Uma Breve História do Tempo” (que virou documentário reprisado mil vezes pela Band naqueles horários bem agradáveis, tipo madrugada de segunda-feira...) e o recente “O Universo em uma Casca de Noz”.


4.

“Parece que Deus ainda tem alguns truques guardados na manga: levar em conta os buracos negros sugere não só que Ele joga dados como também que algumas vezes se confunde (e nos confunde), atirando-os para onde não podem ser vistos”, Hawking diz.

Abre parêntese. Antes que alguém me corrija, explico que “Hawking diz” é força de expressão. Primeiro porque é claro que ele disse em inglês – quem disse em português foi o tradutor lá, o Alberto. Segundo porque o coitado do Hawking, uma das mentes vivas mais brilhantes do mundo, não diz nada já há muito tempo, devido a sua doença degenerativa. Quem diz por ele é aquele computador especialmente desenvolvido para isso. Fecha parêntese.


5.

Talvez mais sério do que o fato de Hawking não ter podido imprimir seus infográficos em um sistema quadridimensional, como ironicamente disse desejar, seja a estranha realidade desse Deus que, para Einstein, não jogava dados, e para Hawking vive a nos confundir.

Enquanto chama Penrose de platônico, numa possível alusão à crença na existência de um mundo das idéias, Hawking afirma:

“Embora eu seja visto como um radical perigoso pelos físicos de partículas, por ter proposto que pode haver perda da coerência quântica, sou sem dúvida um conservador quando comparado com Roger [Penrose]. Aceito o ponto de vista positivista de que uma teoria física é apenas um modelo matemático e que não tem sentido perguntar se ela corresponde à realidade. Tudo o que se pode perguntar é se suas predições estão de acordo com a observação. Acho que Roger é um platônico convicto, porém ele deve responder por si mesmo”.


6. A gravitação afeta a causalidade. Relacionar mentalmente suas implicações nos buracos negros e em relação à perda de informação.


7. Não sei se dá pra chamar o Hawking de positivista e o Penrose de platônico. Só transparece um pouco.


9. “A realidade não é uma qualidade que possas ser testada universalmente”. A frase é de Stephen Hawking.


10. Pisque os olhos novamente. Entendeu?


Edison Veiga Junior
é cada vez mais um caso perdido
mas continua fingindo que estuda
jornalismo.
Agora ouvindo Toquinho e Vinícius



Fala aí!

13.3.04

Quem não sabe que a liberdade de imprensa produz abusos? Mas quem não percebe, igualmente, que a extinção de liberdade de imprensa produziria abusos muito maiores?
(Décio de Almeida Prado)

Fala aí!

A Guerra e a guerra da minha cabeça  



I.

Era quase primavera no Brasil quando a Terceira Guerra começou. Mês da Pátria, os ipês tentavam florir para colorir de ouro o cenário nacional, disfarçado de luto. A nossa bandeira, antes tão romântica ou modernistamente verde, foi desbotando, desbotando, desbotando com o tempo, tornou-se amarela, pensou estar mais moderna, na moda, mas foi desbotando de novo, desbotando, desbotando, até ficar branca que nem leite, depois branca quase incolor. Aí veio um sociólogo metido a presidente, tratou de mandar pintar listras vermelhas e botar umas estrelinhas no canto, e vendeu pros americanos, pois a gente estava precisando de uns dólares novos.

Abre parêntese. Não sei o que se faz com tanto dinheiro. Tirando o Sílvio Santos que tem mania de fazer aviõezinhos e jogar para o auditório. Precisávamos era de comida. Ou os flagelados pela seca andam comendo notas de cem? Fecha parêntese.

Quando a Guerra foi anunciada, o mundo aparentava estar numa boa. Allan Bic se encharcava de cachaça no boteco da esquina, Vest Boo Lando era um chinês que estudava para prestar medicina (ele queria Usp, mas se contentaria com Unifesp), Mariazinha debulhava o terço e rezava “Deus, livrai-nos de todos os males, inclusive do fogo, das pragas, da guerra, da destruição e da perdição”, Pero Oba Nakara propunha que fosse votada no Congresso uma emenda constitucional que aumentaria os escassos privilégios da nobreza, digo do Legislativo brasileiro... Mas, de súbito, a paz substancial foi interrompida pelo plantão da TV: Ana Paula Padrão, pálida, coitada!, anunciando os primeiros bombardeios. Mas pedia para todo-mundo se acalmar que não era nada grave não. Quase acreditei que tinha sido mesmo talvez um acidente, uma bomba que estava passeando, tomando um ar lá pelas bandas do Oriente Médio e, de repente, bumba!, acabou caindo e se explodindo. Acidente.

Só que, quando eu saí passear pelas ruas movimentadas e quase intrafegáveis da Internet, me deparei com pessoas assustadas conversando numa esquina, entre a Yahoo e a Globo.com, acho. Bem debaixo do semáforo:

- Você viu?! Isso é retaliação pelos atentados... É a Guerra! – disse uma mocinha preocupada, arroba tremida, meio fora de lugar, o que não tirava sua beleza virtual estonteante, deixava-a até mais meiga.

- Deve ser nada não... Acidente talvez, ou um teste nuclear apenas. – replicou um sossegado surfista da rede, água de coco na mão, nick esdrúxulo, cara bronzeada e alienada.

- É isso mesmo que você está ouvindo! Hoje não permita que mexam nas minhas ações. Não quero perder tudo! – afoito esbravejou, ao celular, um senhorengravatado.com.br, receoso de que se alterasse a Nova Ordem Mundial.

Eu não estava mais entendendo nada. Ainda bem que o provedor não presta e a linha caiu. Não tentei reconectar.


II.

Um dia depois, a Guerra declarada parou a Terra. E nós, desgraçados brasileiros, ficamos do lado do sol batendo na cara, calor insuportável, desespero, parecia que a gente estava no alto da roda gigante quando acabou a força do parque. Mas, se eu não me engano, não era Playcenter.

Tomei uma coca-cola porque fazia bem pro estômago e eu estava enjoado de ver o mundo parado, com medo de dar um passo pra frente e dois pra trás. Lembrei-me, com dó, que uma vez eu havia lido que em Istambul os jovens tinham que tomar coca-cola escondido, porque lá era proibido. E daí? Aqui eles se escondem para fazer outras coisas. Mas o que que tem a ver?

Peço exemplos esclarecedores quando se trata de assuntos complexos. Procurei respostas nas tabelas de senos co-senos tangentes, teoremas de Pitágoras Kepler Euller, livros de Voltaire Hobsbawn Kafka, sonetos de Camões Bocage Vinícius, músicas de Chico Caetano Gil, cartas de Tassy Lú Déia, até na Bíblia... Tanta coisa louca influenciando minha cabeça oca que de repente, não mais que de repente, tive a impressão que a Terra girou de novo, mas só um pouquinho.

Então saí pra fora e vi que era verdade. E agora a gente tinha parado do lado escuro e era lua nova por isso estava um breu total. Eu fiquei doido de raiva pois queria ver os olhos dela, e o resto também, antes que o mundo fosse para o beleléu. Mas acho que ela também queria me ver antes que o mundo se fosse, porque nos encontramos em um lugar que tinha uma placa fosforescente que brilhava no escuro e estava escrito: “Pombinhos, encontrem-se aqui para o derradeiro idílio”. Tudo tão lindo, tão poeticamente programado, se é que existe o oxímoro, que nos demos ali sem razão numa voluptuosa paixão. Eu parecia Dom Quixote nos moinhos de vento. E ela era minha Dulcinéia. Só que eu não via nada porque tinham apagado a luz. E era lua nova, ainda tinha que crescer.

Depois continuamos andando, felizes se não estivéssemos tristes, mãos dadas, nus porque ninguém estava mesmo enxergando nada. Fomos à Paraíba visitar a doce jornalista democrática Maria José. Fomos ao Acre porque devia valer o ditado que todos diziam sempre, “assim vocês vão longe...”. Fomos ao Amazonas pra chorarmos pelo massacre de tantos índios. Fomos à Bahia onde transamos com um monte de turistas sexuais. E depois fomos descendo, descendo, descendo, até chegarmos ao Arroio Chuí, porque a gente não queria morrer sem ver onde acabava o Brasil.


III.

Quando voltamos tratei de suicidá-la com um tiro na testa, porque ela sempre me dizia que tinha vontade de se matar, uma vezinha só, mas lhe faltava a coragem. Dei-lhe essa mãozinha, como prova de amor, carinho e respeito. E também porque a presença dela já estava me enchendo o saco.

Continuava escuro, o que significava que a Terra estava mesmo parada. Decidi girar sobre o meu próprio eixo para compensar o efeito negativo que a não-rotação do planeta estava me causando. Quando terminei a centésima volta parei e vi tudo girando ao meu redor, cadeira mesa lápis livros computador televisão, tudo girava, só eu e o mundo continuávamos parados. E eu desatei a rir pensando nos japoneses lá do outro lado do mundo: se aqui estava escuro, lá eles deviam estar todos fritando que nem pastel na feira com um ininterrupto sol escaldante.

Fui tomar banho e, com a ajuda dos íons que despencam junto com água, eletricidade e mais não-sei-quê, tive uma idéia ótima. Continuava tudo escuro do nosso lado da Terra e poderia fazer o que bem quisesse, mas meu plano era apenas ficar rico. Porque depois que a Guerra e o mundo acabassem eu ia comprar um disco-voador importado e uma mansão chique nos anéis de Saturno e me mudava para lá, sem ninguém pra me perturbar.

Então eu corri para uma loja que tinha na esquina. Só que o vendedor não estava lá e havia apenas um bilhete no balcão avisando que ele mais todos do estabelecimento estavam escondidos numa fortaleza subterrânea secreta por medo de uma tal possível radiação em caso de bombas no Brasil. Eu não entendi nada, mas mesmo assim precisava comprar bombinhas de festim para concretizar o meu plano infalível. Decidi apanhá-las por conta na prateleira, seguindo a moda self-service, e deixei o dinheiro trocadinho em cima da caixa registradora, que tenho caráter e não sou homem de roubar.

Aí, com todo meu bélico arsenal de bombinhas de festim, fiz as mais potentes munições, coisas de fazer os olhos de criança brilharem em Festa de São João. E fui vendê-las para o Exército a preço de banana no país dos macacos, ou seja, caríssimas.

E foi com todo o dinheiro angariado dentro de uma maleta que me sentei na frente da TV, saquinho de pipoca e guaraná, para assistir à Terceira Guerra de camarote. Depois que o mundo acabasse era só arrumar as malas e dar no pé.

Quem ganhou a Guerra? Não sei. Não é que bem no finalzinho, quarenta e dois minutos do segundo tempo, um avião sem freio caiu e bateu bem na minha cabeça?! Morri e perdi o final. Eu sempre falei pra que esses motoristas tomassem mais cuidado...

Edison Veiga Junior
ouvindo Duofel

Fala aí!

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